Dostoiévski e o Passeio pela Complexidade Humana

por Luis Vilar - 30 de Junho de 2023

A obra do russo Fiódor Dostoiévski é um profundo mergulho na alma humana. Por meio da ficção, temos a vida passeando diante de nossos olhos, com sua grandeza, infinitude, misérias e potencialidades. Com os olhos atentos, sem pressa ou pressão, os calhamaços de Dostoievksi abrem uma viagem inigualável ao centro da alma, nos conectando à humanidade, sem perder o ponto de referência que nos transcende. Não haveria, inclusive, a obra de Dostoievksi sem sua rica biografia, marcada pela vivência de várias vidas dentro de uma vida só. Que o (a) leitor (a) encare essa viagem com coragem e consiga sair dela com todos os ensinamentos que essa Literatura tem a nos ofertar.

 É com grata satisfação que aceitei o convite para iniciar textos sobre Literatura nesse espaço. Espero, com isso, abrir uma porta de diálogo que faça um passeio pelas maravilhosas obras de já publicadas nesse nosso mundo. Creio no poder imensurável da boa Literatura como fonte de transformação e engrandecimento do homem, ajudando-o a compreender a imensa complexidade humana, que não cabe em rótulos ou fórmulas prontas. Em que pese a Literatura ter o seu ar ficcional, com suas personagens criadas e ambientes inventados, é por dentro desta que a vida passeia, tal qual como ela é (como diria Nelson Rodrigues) diante dos nossos olhos.

Logo, antes de ir direto ao texto, permito-me – de forma introdutória – pontuar algo que sempre vi como necessário: não acho que a Literatura por si só nos torne melhores ou piores. Escolher buscar a verdade e o caminho das virtudes é algo nos concedido por livre-arbítrio. Porém, ao fazermos essa escolha, pensando no bem de nossa alma, nossa salvação e no bem ao próximo e no ato de amar melhor os que nos cercam, ampliando nosso senso de misericórdia, justiça e caridade, a Literatura vem em nosso socorro e nos oferta as melhores ferramentas para entendermos a rica matéria humana, com suas grandiosidades e misérias.

Nesse sentido, meus queridos (as) leitores (as), há um nome no universo das Letras que vejo como fundamental, por unir, no decorrer de suas obras publicadas, principalmente naquelas que ganharam a luz após Os Escritos da Casa Morta, alguém que merece destaque por ter se elevado por meio de sua vida e de seus textos: falo de Fiódor Dostoiévski.

Na obra inigualável deste russo, há um passeio pelas misérias sociais, pelo realismo psicológico, pelas almas torturadas, pelos destinos incertos, pelo potencial da redenção humana a partir da centelha divina e o contato direto com o que nos transcende. Dostoiévksi foi a busca disso em seus livros e em sua bibliografia. Caso queiram conhecer mais sobre a vida deste autor, indico a obra Dostoiévksi: Um Escritor de Seu Tempo do biógrafo Joseph Frank (lembrando que essa é uma versão resumida do imenso estudo de Frank sobre o russo. O estudo completo também é muito válido, caso alguém queira se aprofundar ainda mais).

Dostoiévski foi um autor capaz de - ao sentir na pele o drama de uma parte significativa do povo russo, em meio a sua própria doença, dívidas e tragédias pessoais que o fizeram confrontar o luto por múltiplas vezes, bem como conhecer o sucesso e a perda de tudo - traduzir o universal. Um conselho mais que sincero: não deixem o mundo sem ter lido Dostoiévski.

Os aspectos da obra são sinestésicos, pois andaremos ao lado de experiências pessoais que nos farão sentir em nossos ombros o peso da humanidade que carregamos, tanto o seu fardo, quanto o milagre de estarmos na vida uma única vez e poder nos conectarmos com ela para além do materialismo e do secularismo que nos cerca.

O fantástico da literatura de Dostoiévksi é que ela lhe suga para dentro do universo de suas personagens. Cada um deles é um espelho nítido das mais variadas faces do coração, da alma e da mente humana. Há diálogos travados que revelam a profundeza dos tipos humanos ali retratados, em seus vícios, fraquezas, pecados, medos, angústias, buscas por algum sentido em suas mais cruas misérias.

Ao expor o homem em sua pequenez, este russo nunca deixa de acreditar nas potências de suas grandezas quando sintonizadas com o que lhes transcendem.

Não há tipo humano em Dostoiévksi - do bêbado lascivo ao monge buscador - que não seja um filho de Deus, ainda que desgarrado. A matéria prima de Dostoiévksi sempre foi a vida que passava diante de seus olhos, além das profundezas de seu próprio coração que viveu quase que de tudo, desde a crença em uma ideologia de busca de um paraíso na terra, passando pela tensão dos minutos em que achou que seria fuzilado, pela prisão, pelo frio, pelo desespero da falta de recursos, pelo luto diante da ausência daqueles que mais amou, pelo fato de ter encontrado uma mulher paciente que moldou o seu caminho ao reconhecimento público, pela busca de Deus até o funeral que arrastou uma mul􀆟dão no exato momento em que o imortalizava.

Dostoiévksi criou um universo a partir de si e explodiu revelando-o para o mundo em linhas escritas de forma ágil, comprimidas por dores físicas, sofrendo genuinamente ao lado de cada uma de suas crias, sendo o Chatóv de Os Demônios, o bêbado de Crime e Catigo, sendo a alma de um povo em meio aos recortes de jornais que o inspiravam com acontecimentos do cotidiano. Dostoiévksi arrancou a cortina da superficialidade do crônico “dia-a-dia” para observar no que se repete tudo aquilo que por vezes não notamos apesar de estarmos mergulhados na existência.

Este russo foi o existencialista mais rico da Literatura, foi o psicólogo mais brilhante da Literatura, foi o Filósofo sem teoria, mas com verdades difusas que se colidiram, levando milhões de leitores a sentirem o que era levar um tapa na cara, com sua escrita sinestésica. O perigo de compreender o que é a Literatura de Dostoiévksi é se viciar com o que há de supremo nas belas letras e rejeitar todo esse modernismo erudito que nada diz além do superficialismo român􀆟co de pequenos dramas amorosos. Dostoiévksi foi um Atlas, que com o mundo nas costas, deixou que ele descesse por seus braços, fosse até as pontas dos dedos e escorresse pelas palavras.

Dito isso, meus caros (as), há um trecho significativo de Os Irmãos Karamázov para o qual chamo atenção dos leitores (as), que reflete a sinceridade visceral que é tão necessária termos com nós mesmos em nossa jornada, em que pese a dificuldade natural, diante dos apetites humanos, de lidar com a verdade e com as virtudes.

Em dados gerais, vimos através desses gráficos a situação do Brasil após as eleições de 2020, por quais partidos está distribuída a máquina pública que vai ajudar nas eleições de 2022. Mas não dá pra dizer que direita é igual a liberdade principalmente no Brasil, com uma série de pequenos movimentos intervencionistas dentro da direita brasileira, como o MBL por exemplo. Então, para classificar direita pró liberdade, não vou usar mais partidos, mas sim movimentos que foram vetores responsáveis por eleger vereadores através de partidos e o partido NOVO, que pertence a um caso isolado de partido com estatuto condizente com as práticas de livre mercado.


Diz o russo:

“O principal é o senhor não mentir a si próprio. Quem mente a si mesmo e ouve as suas próprias mentiras chega a um ponto tal que já não distingue qualquer valor em si nem à sua volta, deixando por isso de respeitar a si mesmo e aos outros. Ora, sem respeito a todos, o senhor deixa de amar, entrega-se às paixões e às volúpias grosseiras, atinge um estádio animalesco nos seus vícios, e tudo isso provém de estar a mentir permanentemente a si próprio e aos outros. Quem mente a si mesmo também será o primeiro a ofender-se. É que, às vezes, é muito agradável ficar ofendido, não é verdade? A pessoa sabe que ninguém o ofendeu, que inventou a sua ofensa e que mentiu para enfeitá-la, que exagerou para criar todo o cenário, que se agarrou a uma palavrinha e fez de uma ervilha uma montanha...a própria pessoa sabe isso, e mesmo assim, apressa-se a ficar ofendida até ao prazer, até sentir um grande deleite, e a partir daqui, chega até à verdadeira hostilidade... Levante-se do chão e sente-se, por favor, porque tudo isso também são gestos falsos”. (O trecho é retirado da tradução que julgo a melhor em Língua Portuguesa, feita pelo casal Nina Guerra e Felipe Guerra. No Brasil, esta edição é publicada pelo Clube de Literatura Clássica).

Em pouco tempo, se ofender com tudo – em razão de viverem no mundo de suas linguagens e não da realidade em si – lhes concede tamanho poder para aplicação de suas teorias e ideias que se torna necessário encontrar em tudo uma “ofensa” para exercer o controle dos “opressores” tornando-se tiranos das almas alheias, ditando regras de como pensar, de como agir e de como usar uma linguagem em benefício da “transformação da realidade”. Por meio da men􀆟ra desvalada começarão, em breve, a praticar as piores injustiças (em alguns momentos maior do que a injustiça real combatida) em nome de um bem, sem qualquer tipo de piedade ou misericórdia.


Dostoiévski, mais uma vez, vai fundo na alma humana e, por meio dessa personagem, descortina intenções daqueles que falam de forma mansa e fingida, enquanto escondem a faca na plumagem. Muitos desses, após as ideias de justiça que possuem serem aplicadas, renegam as consequências e diante da tragédia anunciada se dizem “deturpados” e começam tudo de novo, como se não tivessem responsabilidade sobre o que inicialmente pensaram no mundo de suas ilusões.

Uma ideologia secular que possui apenas um “valor de bem descontextualizado” (capaz de arrastar multidões apenas pela visão romântica, pelo sentimentalismo) e sem compreender a complexidade humana por servir de justificativa para qualquer coisa, inclusive incutindo – de forma racional – na consciência humana as razões para o cometimento do assassinato, como fez Raskólnikov (cujo nome vem de “cisão” em russo) no livro Crime e Castigo, ao ser o responsável por ceifar duas vidas para conseguir dinheiro. Era ali uma alma ressentida que se sentia ofendida

e oprimida pela própria realidade. A partir daí, Dostoiévski nos leva ao mergulho dentro da psicologia de Raskólnikov, confrontamos nele a doença mental e física numa exposição absurda da realidade. Chamo atenção para a jornada de uma redenção que se inicia nos diálogos com uma “meretriz”. (Não quero dar spoiler, mas ao entrarem nessa obra prestem toda atenção em Sônia: a pequena franzina que vende o corpo para salvar a família).

De forma mais ampla, ao confrontar as consequências das ideias revolucionárias no mundo, Dostoiévksi de forma visionária nos entrega uma das distopias (se é que se pode usar o termo aqui) mais profundas já escritas na história da Literatura mundial: Os Demônios.

Ali, toda uma discussão em torno de causas e de teorias para a transformação social, a sublevação insuflada nos ingênuos e calculada pelos cínicos, resulta no justiçamento praticado por um bando contra aquele que é visto como um traidor por este começar a enxergar os caminhos que tomou e o resultado disso em suas tragédias pessoais.

Evidentemente, caros (as) leitores (as), que Fiódor Dostoiévksi não se resume a esses pontos. Seria impossível resumi-lo em um texto de poucas laudas, pois até mesmo os textos de Dostoiévksi não resume tudo o que é dito por ele, dada a imensidade do que é possível encontrar lendo e relendo as obras, confrontando traduções, refletindo sobre entrelinhas e abrindo estudos sobre pontos específicos de suas personagens que parecem ganhar vida para além dos livros.

Todavia, nessa primeira coluna espero ter cumprido alguns objetivos:

1) Despertar o leitor para uma leitura mais atenciosa de Dostoiévksi, caso já conheça o autor. Com isso, sem pressa e sem pressão – em que pese suas principais obras serem calhamaços – poderem refletir passo a passo, capítulo a capítulo, trecho a trecho sobre tudo que ali é colocado. Tirando dessa prazerosa leitura a experiência vivida por cada ser ali apresentado. Afinal, temos uma vida curta para nos depararmos com todas as experiências humanas em nossa própria pele. Logo, a Literatura amplia os nossos horizontes;

2) Para o leitor que ainda pretende iniciar Dostoiévksi, que esse texto lhe dê ainda mais coragem para adentrar nesse universo disposto a sentir algumas dores e alguns dramas, colocando-se no lugar das crias “dostoievksianas”. Há muito de cada um de nós ali;

3) Interessar-se pela magistral Literatura Russa, pois pode ser a porta de entrava para outros autores como Gogol, Tolstoi, Turguêniev, Pushkin e tantos outros que – cada um à sua maneira – muito disseram sobre nossa passagem aqui nesta terra.

PS: Como se trata de um texto inicial, busquei ser o mais simples possível na linguagem, evitando eruditismos e recheios de citações. Longe de mim querer, aqui nesse espaço, assumir tons professorais e acadêmicos (os quais não é meu estilo). Portanto, daqui em diante sempre conversas francas, onde poderei errar, acertar, ser corrigido, aprender e, se competência tiver, também acrescentar algo na vida daqueles que se aventuram pela Literatura.

Obrigado! Até a próxima!

Luis Vilar

Texto escrito por:

Luis Vilar - Colunista do Instituto de Mídias Avançadas (IMA)